quinta-feira, janeiro 26, 2012

A Afirmação dos Trinta

Paco Bandeira celebrizou a “ternura dos quarenta”. Até há pouco tempo, todos pensávamos que ele se referia aos quarenta anos de idade, mas agora nós já desconfiamos que ele estaria a pensar nos quarenta estaladões na cara da mulher. Enfim. Para além deste propalado sentimento que invade os quarentões, não nos podemos olvidar da “afirmação dos trinta”. Sim, os trinta: a idade da maturidade não tão madura assim e da juventude não tão jovem quanto isso, o local da nossa estrada onde confluem a aprendizagem e a experiência, onde jogamos ao “sim-ou-sopas” das nossas vidas e onde, genericamente, atravessamos o ponto de não-retorno daquilo que irá resumir a nossa existência.
Serve este intróito para descrevermos a trajectória da carreira de Ricky. Ricky era simplesmente Ricky; não era apanascado como o Martin, nem comprido como o van Wolfswinkel, nem especialmente engraçado como o Gervais. E simples foram as suas raízes: despontando na sua Nigéria natal, realizando uma improvável travessia do Atlântico até ao Brasil e acabando em França, primeiro no Laval e depois no Metz – o clube com nome de bebida da Martini, que anos volvidos nos ofereceria, desinteressadamente, o prazer de podermos vislumbrar esse inigualável pensador da bola chamado Didier Lang
Estava Ricky ainda nos seus “mid 20’s”, imberbe e imaturo, quando o Benfica o descobriu, quase uma década antes de Lang, para alargar uma frente de ataque que possuía a frieza ainda pouco adiposa de Magnusson e a excentricidade de contornos caladescos de Adesvaldo Lima. Porém, os resultados práticos foram semelhantes aos de Lang. Ricky perfez apenas 4 jogos de águia ao peito para o campeonato e um poker de golos ao superlativo Riachense para a Taça não foi suficiente para convencer a exigente massa adepta benfiquista, rendida (ou desmaiada) perante o perfume africano mais refinado de Vata, o goleador que tanto marcava a jogar futebol como a jogar andebol e que obteve a proeza de se sagrar o “pichichi” de um campeonato com 38 jornadas com somente 16 golos – ou seja, deve ter rematado para aí um terço dos penalties que Cardozo falha por época, só para terem uma noção. Acto contínuo, Ricky foi acompanhado até ao terminal do Colégio Militar, fingiu que mostrou o passe ao entrar numa camioneta da Vimeca e ficou assim consumada a sua dispensa para o Estrela da Amadora.
Na Reboleira, deu-se uma feliz conjugação de factores: é uma terra habituada a receber africanos e Ricky aproximava-se vertiginosamente da idade dourada, os trinta. E foi ver a contagem de golos a aumentar: só para o campeonato, 12 golos na primeira época e 15 na segunda, sendo inclusivamente o jogador mais utilizado do plantel nesta última. Melhor marcador indiscutível, num plantel onde pontificava muita gente de cariz defensivo, como o eterno Rebelo, o clássico bigode de Duílio e o bebé Abel Xavier, mas pouca concorrência atacante. Outros voos se indiciaram a Ricky e este avançou como uma torre sempre a direito até ao xadrez do Boavista, orientado por Manuel “Tenho Dezenas de Milhões de Egípcios a Chamar Por Mim e Nenhum Deles é o Abdel-Ghany ou o Sabry” José.
E foi aqui, no feudo do Major, que Ricky atingiu o apogeu, justamente na época das suas trinta primaveras. 30 golos – como não podia deixar de ser – em 34 jogos. Melhor marcador do campeonato. Uma combinação quase perfeita com o menino João Pinto e o perfurante Marlon Brandão. Uma Taça no palmarés. Um sorriso maroto a encostar aqui, a tocar dali, a fuzilar acolá. O Boavistão em delírio.
Depois, uma boa época, a fazer de cicerone ao despontar de Artur. 14 golos não estava mal e ainda conseguiu bater o gelatinoso brasileiro ao sprint pelo título de melhor marcador da equipa. Mas em 1993/94, 6 tímidos golos em 30 jogos. Uma personalidade afectada pelo refulgir imparável de Artur e a concorrência cada vez mais apertada provinda de Luciano, um Jacaré antes do tempo, e do sempre presente Nelson Bertolazzi. Estava ditado o fim dos dias de glória no Bessa. Os trinta anos transformaram-se em trinta em três num ápice e Ricky, que lia a bíblia (não era “A Bola”, era mesmo aquele livro que costuma estar nas cabeceiras dos hotéis) e sabia o que tinha acontecido a Jesus (não o treinador que mandou o fair-play às malvas, mas o tipo que costuma andar por aí nas cruzes), sentia o tapete a fugir-lhe por baixo dos pés.
Ainda tentou recuperar forças no Brasil, mas o chamamento do Belenenses foi mais forte. Em Belém, todavia, os tradicionais pastéis embrulharam-se-lhe no goto. Eclipsado pela fantasia de Mauro Airez. Acometido de vergonha perante o excesso de jactância de Luiz Gustavo. Esmagado sem piedade pela pujança de Darci. Driblado pelo instinto de sobrevivência de M’Jid. Desamparado perante os passes melosos de Bino e Abílio. Ultrapassado até por Zoran Ban, que nem sequer ligou os piscas. A sua única satisfação: jogou mais e marcou mais um golo que Adamczuk – que por acaso não chegou a meter a redondinha lá dentro por nenhuma vez. O que foi pouco. O presidente apelidou-lhe de “mercenário” e ele preferiu reagir com actos em vez de palavras – num movimento insuspeito e nada denunciador, deslocou-se até ao Qatar, primeiro, e para a Arábia Saudita, depois, onde finalizou a sua carreira ao lado de uma nota de rodapé do futebol português dos anos 90, o seu compatriota Siasia, que exibiu alguns laivos de genialidade num Tirsense na antecâmara europeia para quem quis ver (não foram assim tantos, infelizmente).
Mas Ricky aproveitou o ser trintão. Oh, se aproveitou. Antecipou-se a Yekini e Amunike e tornou-se no primeiro nigeriano a brilhar a sério no campeonato português. Hoje em dia, cinquentão, Ricky olha com melancolia para o passado e uma nostalgia perpassa-lhe o espírito, enquanto tenta levantar a cabeça como o Rui Patrício e fazer de conta que não se passa nada como o Kléber. Como dizia o velho Paco, na sua imensa sabedoria, “o importante é o sorriso/ para seguir viagem / com a coragem/ que é preciso” – isto, claro, antes de perder a paciência e aplicar um rotativo à Van Damme na amante.

1 comentário:

Eu Queria Ser o Maradona! disse...

Agradeço-vos a melhor análise de sempre aos "bigodes" do meu Desportivo de Chaves no anos 80!

visitem também este blog realmente mau!

http://seromaradona.blogspot.com/

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